domingo, 10 de julho de 2011

Ser jovem no interior



Entre o ficar e o partir, uns vão criando oportunidades, outros limitam-se a esperar"

"O Presidente da República levantou a bandeira da recuperação do interior do país e convocou os jovens a assumirem a missão.Os sociólogos estudaram as expectativas das gerações mais novas do meio rural e dizem que a maior parte, se pudesse, ficava na terra em que nasceu. Mas e os jovens?O que querem? Partir ou ficar? E, mesmo que queiram ficar, basta querer para conseguir?

(...) Alain Martins, 16 anos. Nasceu em Paris e há dez vive em Alfândega da Fé. Os pais eram emigrantes mas voltaram. Adepto do Facebook e do Twitter, passa horas diárias na Internet e um dos motivos é a manga (BD japonesa). O Japão é mesmo um dos seus sonhos. Um destino possível na sua cabeça, não importa muito para trabalhar em quê. Já Ana Damasceno tem quase 18 anos. É amiga de Alain. Também pensa em partir, talvez para Vila Real, onde pretende estudar. Diz que ali não há oportunidades. João Castro tem 16 anos, está mais atrasado, só chegou ao 7º ano na escola. Bronzeado e bem disposto já encontrou ocupação para o verão: vai trabalhar no café. O futuro, diz, não passa por ali. Provavelmente irá para Espanha, onde os pais foram emigrantes. Rui Pinheiro (...) é enfático na afirmação: "Eu quero sair daqui para Lisboa". O grupo de Trás-os Montes fica completo com Alexandra Jacinta, a Xana. Aos 17 anos vive na cidade desde os 12. Mas a cidade é Mirandela, ali ao lado. Foi porque queria estudar música. Toca violino. Transmontana das tradicionais, revolta-se e a língua solta-se:"Eles lá de baixo (Lisboa) pensam que nós somos analfabetos. Não somos." Orgulha-se da sua origem, cede, contudo, quando fala do futuro. "Como quero trabalhar com música, sei que terei de sair da Alfândega."

(...) O professor da Universidade Nova sustenta que, mais determinante do que a geografia, é a condição social dos jovens. "Não existe fatalismo geográfico. (...) O contexto local condiciona, mas não determina o futuro. Depende da iniciativa individual", conclui. (...) A perspetiva de que a individualidade ganha importância renovada no interior é observada com algum desconforto por Vítor Ferreira, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais e coordenador do Observatório Permanente da Juventude. Deixa claro que o peso dos resultados não pode estar apenas nos jovens: "Não se pode exigir empreendedorismo a alguém sem condições económicas."E aí, não há saída, o fundamental para a fixação das populações no interior, diz, passa pela criação de emprego. (...) Ricardo Carmo - sociólogo do ISCTE e organizador do recente livro "Entre as cidades e as serras" - afirma que, para se ficar no interior, é preciso sair. "Temos de acabar com o estereótipo de que sair é sempre uma fuga. A maioria sai, mas quer voltar", afirma. (...) "A mobilidade tornou-se condição para a fixação no meio rural", conclui. Mas, mais uma vez as condições económicas criam abismos: "A mobilidade pode criar novas desigualdades". Afinal, só sai quem pode pagar."

Reportagem de Christiana Martins e Nuno Fox (Revista Única, nº 2018


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